Diante
dela, cento vinte dias nos quais
pretende enfrentar essa solidão que
teme, tanto quanto as reuniões de família. Opção e aceitação, dois pólos de um
novelo de ambigüidades que tentará desfazer.
Nas
inquietações e questões expressas por uma voz feminina, a solidão adquire
matizes: envolve a mulher que, ao se tornar viúva, perde, também o amante,
agora temeroso de envolvimento e compromissos outros; torna-se vulnerável aos
assédios masculinos que não levam em consideração a vontade feminina; ou,
simplesmente, se dissolve ou se aguça diante das necessidades filiais que
também ignoram quaisquer desejos de isolamento e dispõem, a seu bel prazer, do
tempo materno.
Vivendo
entre as filhas que a surpreendem em meio a esse veraneio que deseja reflexão e
trabalho, entre as eventuais e despretenciosas conversas com as pessoas do
lugar, vai registrando, dia a dia, as suas considerações. Sobre o significado
do envelhecimento para a mulher, o que pode ou não se permitir: expor o corpo?
Conceder-se um relacionamento amoroso com um homem mais jovem? Pensar naquilo a
que se dedicou (amor, amores eventuais,
sucessos profissionais, apenas rede ou
para quedas para as filhas) no longo espaço de tempo transcorrido ?
Nesse
registro cabem, também, as questões sobre a difícil arte de conviver com a
família. O egoísmo das gerações, cada
qual a lutar por seus próprios valores que, finalmente, parassem ser, sempre,
apenas materiais. Discussões, silêncios, reprovações que se sucedem nas
reuniões consideradas obrigatórias e em que à euforia inicial se alongam as
recriminações e, sempre, o desejo de partir.
Entremeadas,
e, por extensão, as constatações sobre a classe social a que pertence (pertenço a essa classe social da qual saem
os cônsules, os embaixadores, os adidos culturais)
e da qual tem uma idéia muito clara. Seja para perceber suas incongruências,
impertinências, hipocrisias e ridículos, seja para , nela inserida, situar-se
entre os demais – para ela, certamente inferiores – e julgá-los quando reagem
de forma diferente daquela a que está acostumada.
Escritora
dos dramas (pequenos) da assim chamada burguesia Argentina, Silvina Bulrichneste
seu romance, Mañana digo basta, como
nos inúmeros outros que escreveu representa no panorama da uma Literatura
alimentada, sobretudo, por textos assinados por nomes masculinos, um momento,
uma voz impecavelmente feminina para a expressão dos temores e inseguranças.
Publicado
em 1968, pela Sudamericana de Buenos
Aires ( a edição brasileira Amanhã digo
basta, da Record apareceu sem data), Mañana
digo basta em 1975 já havia alcançado a décima quinta edição. Exito que não
foi uma exceção entre as demais obras da autora. Ao falar sobre esse seu romance, Silvina Bulrich diz que nele tudo
está contado com dissimulação num tom ligeiro; embora aborde problemas graves. Na
verdade, mundano e macio é o tom, salpicado, apenas, de leves ironias. Perfeito
para a expressão dos temores e inseguranças daquela minoria que nos longos
verões à beira mar pode se dedicar a
buscar-lhes as razões. Então, Mañana digo basta, poderia propiciar
uma leitura lúdica, não isenta de momentos que espelham certezas e dúvidas de
uma geração, de uma classe. Sobre os que não possuem e nunca possuíram
privilégios, os temores e inseguranças sempre advém de circunstâncias – ou
desemprego, ou doenças, ou falta de aceitáveis condições de vida – das quais
não podem escapar e com o agravante de que, tampouco, lhes são dadas esperanças de soluções
apropriadas nada foi dito. Os problemas
graves que o romance aborda, cabe,
então, ao leitor percebê-los.
Quem sabe,
nas entrelinhas.



