quinta-feira, 4 de julho de 2013

O Poeta perguntador: Residencia en la tierra 1 *

         Com Residencia en la tierra – diz Rodriguez Monegal no seu magistral livro  El viajero inmóvil – começa a obra verdadeiramente criadora de Pablo Neruda. São versos que se agrupam em dois livro, Residencia en La tierra 1, Residencia en la tierra 2 e nas duas primeiras partes de Tercera residencia cuja feitura está compreendida entre 1925-1931, 1931-1935 e 1934-1935, respectivamente. Traduzem esse momento  vivido pelo Poeta,  como o refere Jorge Edward( em Adios Poeta,   P. 27) demasiado amargo, escuro,angustiante que, finalmente só lhe apresenta duas alternativas: a auto destruição, o suicídio ou a saída à saúde mental   e moral que somente podia  se consistir numa saída da solidão para a solidariedade. E isto iria acontecer, como é sabido, a partir do vivenciado na Espanha quando a sua perplexidade irá se nutrir da violência, das lutas, das injustiças ocorridas no cenário da Guerra da Espanha.  Antes que tal ocorra, sua juventude e circunstâncias  - a pobreza, a solidão da vida em país alheio – o mergulham nessa angústia existencial  que faz dele o poeta hermético, misterioso, angustiado , inspirador  que se mostra nos poemas compreendidos  entre Galope muerto  de Residencia en La tierra 1 e “Las fúrias y las penas” de Tercera Residencia como constata, ainda, Jorge Edward (p.18,34).
            Residencia en la tierra 1, ese pequeño libro [...] diccionario atormentado de mis indagaciones personales como,  o irá  definir Pablo Neruda, anos depois, em Para nacer he nacido, ( p. 228) é feito de vinte e oito poemas (e cinco textos em prosa), agrupados de forma díspar em quatro partes de vinte, um, quatro e três poemas. Hernán Loyola em Neruda, la biografia literária (p.407) não ignora a série de interrogações presentes em Residencia en la tierra 1   ao dizer que se trata de uma via retórica muito frequentada por Neruda neste livro e sugere respostas que elabora, ao analisar, por exemplo, o poema “Monzón de mayo”:  uma simbologia contextual a partir dessas circunstâncias naturais ou físicas que constituem o vertebral de sua vida cotidiana, sem a presença estável de uma mulher. Além das interrogações  presentes nesse poema, elas  também aparecem em versos de “Galope muerto”, “Sabor”, “Diurno doliene”, “Monzón de Mayo”, “Sonata e destrucciones”, “El fantasma del buque de carga”, “Cantare”, “Trabajo frio”, “Significas sombras”.
            Alfredo Losada, citado por Hernán Loyola ( na obra acima referida, p.522), supõe tratar-se de uma figura feminina o interlocutor a quem o Poeta dirige suas interrogações.           Por sua vez, o próprio Hernán Loyola considera como um desdobramento do próprio  enunciador, instando-se a si mesmo  - com retórica interrogativa – a tomar consciência de sua situação  através do sistema temporal . Quem sabe, esse Dime, Imperativo que inicia o poema “Trabajo frio” e verbos na segunda pessoa ( no oyes, no sientes) possam significar o desejo de decifrar os mistérios do passar do tempo: a noite que retorna, o correr dos rios, lembrando a metáfora tradicional que superpõe o correr da água dos rios com a passagem do tempo (ambos sem retorno); a escuridão, invadindo espaços, obediente ao movimento do sol, a vitória do tempo no traquinar dos seres, tornando-os sujeitos ao sentimento que, finalmente, é mencionado na última expressão do último verso: a solidão. A solidão ensejando perceber o indefinível. Então, querer compartilhar e, para isso, estabelecer um possível diálogo provocado pelas perguntas: no oyes acaso,el sordo  gemido? [ no ressoar do tempo] ; não sentes a insistente noche que vuelve?; No escuchas la constante Victoria [do tempo], y añadiendo su triste hebra?               Pertinente, então, presumir que esse interlocutor a quem  se dirigem as perguntas seja qualquer ser humano ou  o próprio Poeta a inquirir, a inquirir-se sobre o quê não tem resposta ainda que ela seja pertinazmente perseguida.
            No poema “Diurno doliente”, o Poeta está presente nesse pronome possessivo de primeira pessoa a circunscrever algo de concreto (mi lecho amarillo, mi pecho) ou de indefinido (mi término escaso, mi débil producto, mi substancia estrellada , mi poder, mi duelo, mis separaciones. Ele interroga sobre sons ( Ahora, qué imprevisto paso hace crujir los caminos? […] qué sonido de carro viejo con espigas?), sobre o quê  leva consigo (ressentimentos, hereditárias esperanças, ajudas ternas e dias translúcidos); sobre quem, ao mesmo tempo lhe está próximo ou distante.  Ou, interroga sobre imagens – um rosto de cristal, uma estação triste, o etéreo de uma névoa úmida
            Nos demais poemas há um repetir-se de perguntas introduzidas pelo advérbio donde (onde) a procurar um espaço poético, uma inspiração que o seu entorno – a desesperança que lhe trás um dia vazio (sedentário y húmido sin su próprio cielo), o vento, a chuva – lhe negam : Dónde está su toldo de olor, su profundo follaje / su rápido celaje de brasa, su respiración viva?  (“Monzón de mayo” ). Ou, a interrogação é marcada pelo pronome interrogativo quién (quem), buscando uma identidade que, no entanto, se refere si mesmo no verso: Quién puede jactarse de paciência más sólida? (paciência  diante de conversas gastas, palavras ocupadas em servir, subservientes, outras vontades ) e que ele responde ao se explicar como aquele que vive envolto em prudência, pleno de essências de cores anódinas, que se move repleto de águas paradas como imóvil está o seu sentimentos, vigiado aquilo que pensa (“Sabor”). Também em ´Sonata y destruiciones” busca  uma identidade na terceira estrofe, toda ela feita de interrogações: Quién hizo cerimônia de cenizas? /  Quién amó lo perdido, quién protegió  lo último?/ El hueso del padre, la madera del buque muerto,/ y su próprio final su misma huída,/ su fuerza triste, su dios miserable?  Se a sua poesia somente sabe nutrir-se do concreto mundo circundante – assim o afirma Hernán Loyla na p.355 do seu livro acima citado -  a pergunta contida no primeiro verso  dessa terceira estrofe pode remeter aos rituais funerários birmaneses vistos por Neruda da sacada, nos dias em que  viveu na casa de Jose Blis (ainda segundo Hernán Loyola).   Os que se lhe seguem podem remeter aos sentimentos advindos do que deixou para trás ao sair do Chile, especificados num elo familiar que a morte aniquilou como também, aniquilado se mostra o barco e esse alguém cingido pelo fim, pela fuga, por uma força e por um deus que se estiolam na negação. Alguém que em “El fantasma del buque de carga” irá, na interrogação - : Quién es ese fantasma sin cuerpo de fantasma,/  com sus pasos livianos como harina noturna / y su voz que sólo las cosas patrocinan? – se delinear nas desesperanças e negações do próprio eu. Outras perguntas, buscam, por sua vez,  a matéria, a identidade das coisas: Ahora bien, de qué está hecho ese surgir de palomas /  que hay entre la noche y el tiempo como una barranca húmeda? (“Galope muerto”) ; ou perscrutam perigos: Contra qué levantar el hacha hambrienta / De qué materia desposeer, huir de qué rayo?; indagam  de um incerto e precario caminhar: Qué reposo emprender, qué pobre esperanza amar / con tán debil  llama y tan fugitivo fuego?  ( “Monzón de mayo”). E, cristalizando  almejar  um interlocutor na estrofe do poema “Cantares”, Para quién y a quién en la sombra / mi gradual guitarra suena / naciendo en la sal de mi ser / como el pez en la sal de la mar? a resposta será dada muito clara e prosaicamente na última estrofe do mesmo poema, quando  se mostra desconsolado e sem rumo: Sobrevivo en medio del mar / solo y tan locamente herido, /tán solamente persistiendo / heridamente abandonado .
             No último poema de Residencia en la tierra 1, “Significa sombras” a se iniciar com versos em que  indaga (presença do eu a constar no possessivo de primeira pessoa na estrofe seguinte) sobre um futuro que, prolongado do presente – el camino entre las estrellas de la muerte –vem de um tempo pretérito incomensurável: muchos dias y meses y siglos. Uma inquietude já presente em “Galope muerto”, o primeiro poema do livro quando pergunta  Es que de dónde, por dónde, em que orilla?sintetizando o desejo  de encontrar  um lugar, talvez ideal que só irá encontrar dentro de si mesmo, um dia. Porque no isolamento e solidão em que vive no Oriente  - Estaba separado del mundo mío por la distancia y por el silencio, y era incapaz de entrar de verdad en el extraño mundo que me rodeaba diz em Confieso que he vivido, p.137 – ele está prisioneiro da inquietude e da tristeza. Então, quando em carta a seu amigo Eandi, citada por Rodriguez Monegal,  lhe pergunta se não está rodeado de destruições, de mortes, de coisas aniquiladas, se não se sente obstruído no seu trabalho por dificuldades e impossibilidades,  está  perguntando tudo isso também a si mesmo. Ou seja, no dizer do critico uruguaio,  Emir Rodriguez Monegal, está desenhando a sua própria agônica situação.Que irá se expressar num dizer  que o próprio Neruda rotula de  melancolia frenética, de  estilo amargo e que, talvez, por um sentimento de pudor, resulte no que os críticos consideram  o hermetismo  desses poemas de Residencia en la tierra 1. Um hermetismo que, eventualmente, pode ser ou procura ser desvendado a partir de circunstâncias da vida do poeta, documentadas em correspondência ou testemunhos como o faz, por exemplo, Hernán Loyola. Ou se nega à suposições esclarecedoras.
            Porque essas vinte e seis perguntas que se inscrevem em Residencia em la tierra 1, expressão das dúvidas do Poeta – e o passar do tempo, e a solidão, e os sentimento de mágua, e o lugar incógnito desejado, e a própria imagem difusa e os elos perdidos – pela sinuosa beleza e mistério que as habitam se bastam a si mesmo. E prescindem da objetividade das respostas.
·         Inédito

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