No
dia 18 de outubro de 1969, em “Do Caderno H”, publicado pelo “Caderno de
Sábado” do Correio do Povo, de Porto Alegre, ao longo dos anos, Mário
Quintana conta que, estando no Rio de Janeiro, um amigo e editor que ele chama
de P.M.C., se ofereceu para lhe mostrar a cidade. Ao que, então, lhe
respondera: -Não, muito obrigado, Paulinho! Eu sou evoluído, tenho
horror à natureza. O que mais me agrada no Rio são os túneis. Frase trocista do poeta que, no entanto,
desvenda algo desta sua relação com a cidade, sempre a lhe oferecer motivos
poéticos. Breves menções: a praça, o coreto, o quiosque, a rua, a velha rua, as casas cerraram seus milhares de pálpebras. As ruas pouco a pouco deixaram de andar, os ritmos do tráfego vibram como uma cigarra. Ou constatações sobre um modo de viver que se instaurava
nessa época, levando de roldão muita coisa cujo valor só é passível de ser
percebido por uns poucos. Em 15 de agosto de 1970, ele opina que O mais triste da arquitetura moderna é a
resistência de seu material; lamenta
as casas vendidas para construtores de edifícios, os muros que demoliram; constata que hoje se mora em caixas de sapatos. E suspira: Ah! Os
ângulos contundentes das atuais construções urbanas... Percebe que os
cafés, esses cafés de barranco onde se passa às pressas e indignamente originam
uma geração que parece tão no ar.
E,
testemunhando sobre essa beleza tênue, imprecisa, efêmera, apenas perceptível
que se oferece, somente, dir-se-ia, a alguns eleitos, fala do olhar que se nega
a ver o mundo que o rodeia. Em “As coisas” (“Do Caderno H” de 28 de agosto de
1970) como o indica o título, sabiamente melancólico, reflete sobre coisas que
especifica, sem deter-se, serem coisas da natureza. Na primeira estrofe, uma
afirmação: O encanto / sobrenatural / que há / nas coisas da
natureza. Na segunda, a confissão da surpresa diante do que elas contém de
singular: coisas que parecem não terem beleza alguma porque não lhes foi
concedido um segundo olhar. E como que uma descoberta do poeta, o segredo, um dos grandes segredos do mundo que
ele, todavia, comparte com o interlocutor. E o poema, quase prosa nos breves
versos, desabrocha na última estrofe com o recurso simples do pleonasmo. A
expressão não houve nunca quem lhe desse
é repetida e, a ela, se acrescentam três versos: Ao menos / um segundo / olhar!. E o lirismo é ampliado nas pausas,
obrigatoriamente advindas da expressão cujo sentido se completa no verso
seguinte. Sobretudo, no significado estabelecido da ausência (não houve
nunca quem lhe desse) e do olhar negado (quem lhe desse / ao menos /um
segundo
/ olhar).
Em
“Urbanística” (“Do Caderno H” de 18 de novembro de 1969), Mário Quintana
legisla: “Todos os jardins deviam ser
fechados. / Com altos muros de um cinza muito pálido ./ Onde uma fonte / pudesse cantar / sozinha / entre o vermelho
dos cravos. Desenha um espaço
onde o som cantante da água, a cor e, talvez, o perfume, fazem presumir deleites.
Nos cinco versos seguintes, a explicação para essa convicta asserção: O que mata um jardim não é acaso / alguma
ausência / nem o abandono... Ausência e abandono, certamente,
inquestionáveis razões de tristeza à qual se acresce algo maior: a indiferença.
Reiterada a expressão, O que mata um
jardim, ela se completa agora pela verdadeira causa do aniquilamento: a
indiferença de quem passa e com o olhar vazio.
O poeta,
na natureza, muito além das formas e das tonalidades, percebe com seus olhos de
ver o mundo, a solidão que o olhar ausente, o olhar negado tem o poder de
traçar. Como, também, no fado dos homens.



