Em 1973, a Noguer de
Barcelona, publicou El hombre que trasladaba
las ciudades, um romance construído a partir das Crônicas da Conquista da
América. Carlos Droguett, sem se afastar da verdade histórica contida nesse
relato oficial, o refaz dando-lhe vida e criando uma das mais perfeitas e belas
obras da Literatura do Continente. Uma expressão rara, como que feita somente
de achados, um sapientíssimo uso dos recursos romanescos fazem dessa obra um
impressionante itinerário onde predominam linhas sinuosas e repetitivas cujo avançar
e recuar permite seja vislumbrado o universo desconhecido que, os espanhóis,
cheios de sonhos e perdendo-se no tempo, quiseram conquistar.
A cidade de Barco foi
fundada por Juan Nuñez de Prado, diz a Crônica da Conquista. Recebera essa
incumbência do Vice-rei do Peru e, com duzentos homens, se lançara à aventura
pelas terras do Continente. Ameaçado pelos espanhóis do Chile, Juan Nuñez de
Prado muda o assento da cidade o que não ocorre sem as violências que são
possíveis quando rege um Poder Absoluto, exercido em nome de Deus e do rei.
Preparava-se Juan Nuñez de Prado para outra vez transferir a cidade de lugar
quando chega Francisco de Aguirre para impedir essa mudança. O quarto capítulo
de El hombre que trasladaba las ciudades
se inicia com esta chegada, gênese dos sucessivos confrontos entre seu querer e
o desses homens que já lá estavam numa aventura que justificavam no que
acreditavam ser o desejo do rei, no que presumiam, ou fingiam crer, ser o de
Deus.
Enquanto acusa o capitão e
governador da cidade em nome do Rei, Francisco de Aguirre, olha pela janela.
Olha com curiosidade e torna a olhar, intrigado, as carretas. Respira a
tranqüilidade que ele mesmo havia
imaginado e olha, novamente, para as carretas, e para a rua que desaparecia
ao longe.
Ao escutar as respostas do
prisioneiro, eivadas todas das muitas razões que tivera para matar e destruir
e, ao aceder ao diálogo, já fora influenciado o bastante para confessar que a
cidade era muito bonita. À medida que ia escutando e se deixando convencer, reconheceu
também que ela lhe agradava; conclui que se os acasos da vida assim o determinassem,
os dois juntos, um dia, levantariam outras, mais
longe, mais belas e perigosas.
Depois, quando decide a
partida do prisioneiro, já não se domina e, gritando lhe diz que a cidade
passa, a partir de então, a lhe pertencer e que, talvez, a leve embora. Juan, talvez cumpra teu sonho, diz,
tornando evidente, para ambos, ter sido contaminado pela mesma febre de mudança
que havia consumido àquele a quem acusava.
À espera, estão as carretas carregadas, imóveis.
Francisco de Aguirre as vislumbra de longe, guardadas por suas sentinelas. Ao
delas se aproximar, deixando atrás de si Juan Nuñez de Prado, já está submisso
a esse sentimento de posse que seus gestos tornam evidentes: diante de cordas
pendentes, alguma roupa, um par de botas velhas entre os eixos de uma carreta, ele tudo acomoda: as cordas no seu lugar e as
roupas, sentindo agrado em apalpar as
madeiras e os objetos que guardavam.Sob
a luz das tochas, pôde contá-las. Lamenta serem apenas sete. Passa os dedos na
madeira de uma delas e a balança para conhecer sua força e sua resistência.
Precisará de todas para a mudança que irá determinar. Ordena que ninguém se
aproxime delas e quer saber se existem outras. Dissimula de seus filhos e
do capitão o quê já sabe ser sua
vontade: levar a cidade para longe.
Procura um bom lugar para ela, havia-lhe dito Juan Nuñez de Prado, certo de que
estava tão ligado à cidade quanto ele e que seu sonho agora também lhe pertencia.
Também ele tinha certeza de
que a levaria embora, carregada nas carretas, como já o havia feito Juan Nuñez
de Prado ainda que, também como ele, por isso arriscasse a vida ou a liberdade.
Ao se atirar na cama para
dormir, no sonho lhe aparecia a carreta cheia
de ruas e praças e caminhos e parques, ele via tudo e sorria e compreendia,
acomodando-se no sono.

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