Não
isenta de perigos, para um crítico, é a aventura de se aproximar de uma obra já
consagrada pelos que o antecederam cujas palavras, muitas vezes, se cristalizam
e passam a ter o estatuto das verdades intocáveis.
A
confessada e perene paixão de Mario Vargas Lhosa por Madame Bovary o conduziu, no entanto, seguro, nesse ensaio sobre o romance de
Flaubert, certamente, um dos melhores que he foram dedicados.
Mario
Vargas Lhosa em La orgia perpetua (Seix Barral, Barcelona, 1975), não
ignorou a bibliografia existente e se serviu dela para avançar nos enunciados
críticos que se originam, principalmente, de sua longa e renovada relação com a
obra, de uma perspicácia incomum e de um conhecimento da criação literária que
são próprios de quem é mestre naquilo que faz
Suas
fontes – Maurice Nadeau, Enie Starkie, Albert Thibaudet, Jean Paul Sartre,
Renée Dumensil, Saint Beuve, Ernest Robert Curtius, Charles Baudelaire – quer
as aceite ou discuta, significam a etapa de um caminho que o seu ensaio, com
brilhantismo, alongou. E’um trabalho que se inscreve num dos princípios básicos
da pesquisa científica: o de respeitar o caminho existente e avançar, construindo
espaço, para que outros pesquisadores
possam seguir além.
A
seriedade metodológica e a composição clara que o aproximam dos melhores
trabalhos acadêmicos não se perdem na espontaneidade e beleza de seu texto,
digno, neste ensaio do grande romancista que é.
Após
ter, na primeira parte, se estendido sobre o seu relacionamento com Madame
Bavary, na segunda, irá se deter
em questões ligadas à gênese da obra e à detalhes de sua composição e, na
terceira, a situará como o primeiro
romance moderno. Afirmativa que justifica enumerando inovações – narrativa
centrada no anti-herói, mudança do narrador – inovações estas, presentes nos
romances que se lhe seguiram. Assim, ele
não pode se impedir de comparar a qualidade da obra que analisa com a
Literatura produzida nos dias de hoje: ou submissa ao êxito, ao dinheiro ou às migalhas do poder que o Estado dispensa aos
intelectuais dóceis. Uma Literatura dos “ best sellers do
mundo capitalista ou a Literatura patrioteira
e oficial do mundo socialista. Triturada, então, pela demanda da oferta e
da procura da sociedade industrial ou pelas honrarias e chantagens do
Estado-patrão, a Literatura, privada da
sua principal virtude, o questionamento crítico, se torna uma inofensiva
diversão.
Embora
maniqueístas e, de certa maneira, afastadas do mapa do Continente, essas
observações de Mario Vargas Lhosa não deixam de ser válidas. Embora nem sempre
seja possível, em se tratando da América Latina, falar em sociedade
industrializada, na grande maioria das vezes, é à sombra do Poder que se
refugiam os escritores. Em troca de benesses, oferecem sua liberdade de
expressão, seu direito de ver e de criticar.
Assim,
ainda que as palavras de Mario Vargas Lhosa possam ser, então reveladoras dos
conhecidos desentendimentos que passaram a existir entre ele e alguns
escritores latino-americanos, as questões que levanta são necessárias num
Continente onde o preço dos homens e de suas almas, é, freqüentemente, tão
pequeno.

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