Nascido
em Jaguarão, às margens do rio que separa as terras brasileiras das uruguaias,
Aldyr Garcia Schlee é autor de contos que fazem reviver esse gaúcho mais integrado nos pampas sem fronteiras do que no espaço dos limites
oficiais.
Contos
de sempre ( Mercado Aberto, 1988), se compõe de dois grupos de
narrativa: "Os de ontem”, episódios das
lutas travadas nos territórios disputados pelos portugueses e espanhóis e “Os
de hoje”, situados no mesmo espaço geográfico, hoje parte do território rio-grandense. Os personagens, como se fossem
sempre os mesmos. Na segunda parte, degradados pelo passar do tempo e
pela perda de valores.
Entre
as doze narrativas, sobressai, como peça valiosa e única, a primeira da coletânea, Verdina. Embora inusual,
um nome que anuncia o personagem feminino que, também, inusualmente, aparece na
narrativa e na vida do gaúcho Pedro.
Uma
negra de olhos azuis chamada Verdina. E um
homem de nome Pedro. Ela, de
certo, filha de patrão ou patrãozinho de outro lado do rio, filha de mucama
manceba do dono; ele, com o cavalo e com
a divisa que levava no chapéu, sozinho no rancho. Sozinho como órfão, como
guacho, como agregado. E o campo, em
volta, iluminado de sol e de vida.
Presença
feminina que se agranda pelos olhos e pelo sentir do gaúcho. E, a partir dessa
presença, também a ausência e uma solidão que aumenta. Enorme, inexpugnável,
nesses dois seres em que todas as
palavras são sepultadas por prudência, por orgulho, consciência de classe e
racismo que irão congelar os anseios do homem.
A
narrativa acompanha umas poucas horas – as mais densas, talvez as mais
luminosas e cruéis da vida de Pedro - e
habilmente entrelaça o passado e o presente. Passado que se faz presente pela
força das emoções. Presente que nas sensações irá se prolongar para
sempre. E o passar do tempo e a distância percorrida, indicados por uma ação
sem verbos: os corpos unidos no galope, no trote, na marcha, no
galope e no trote, na marcha, no passo...
Depois,
simultâneo com a ação, o dar-se conta do que acontecia, do que lhe acontecia.
Pedro, à medida que desencilhava o cavalo, que o libertava dos arreios, ia ele
próprio, se desnudando diante de si
mesmo, compreendendo-se entregue.
Entrega
que ele não se permite, porém, mesmo vendo a dança amorosa do casal de
bem-te-vi no ar e, mesmo, vendo de perto, junto à cova, um casal de corujinhas
do campo. Embora com o peito apertado, ele recusa o destino que poderia advir
sem solidão.
Da
mulher, de Verdina, pouco se fala. Apenas de seu jeito de ser mulher, de seus
olhos. Mais do que vermelhos de choro,
são olhos que sorriem, se escondem, se levantam, brilhantes, na linguagem da
conquista.
Verdina,
sete páginas emarcadas nos primeiros anos da História do Rio Grande do
Sul: e as mortes, e as degolas, e as
lutas, e o destino das mulheres.. E,
depois, seres. Um homem e uma mulher que mais do que símbolos de uma época são a expressão do eterno desencontro que
pode acontecer num caso de amor.
