domingo, 20 de maio de 1990

Teobaldo Noriega: geografia interior de un duende



            Só uns poucos poemas formam o último livro de Teobaldo Noriega. Anti-retóricos, diz alguém com acerto, porque são versos de uma extrema simplicidade. Uma simplicidade que se enraíza no ser humano e dele expressa as certezas e as dúvidas que o poeta deseja compartilhar.

Em alguns poemas, um olhar atento à vida: o Cristo que passa numa procissão de sexta-feira santa, um vulcão que explode lava  e deixa entre tantas mortes, também a da menina Aymara Sánchez. Em outros, um sentir voltado para a infância e a enredar-se em sabores tropicais – gianábana, coco, ajonjoli, breva en manjar blanco - em gosto de vinho e de rum; em perfumes de jasmim, cor e vento e música de água. Geografia interior que se desenha em lembranças fraternas de  jogos e ternuras;  em pensamentos para a terra que deixou e leva consigo, marinheiro do Caribe em calçada de cimento, Em imagens que refazem silhuetas de árvores no horizonte, detalhes da casa familiar, a presença do velho professor que ensina grego e odeia Franco.

            E, dominando, quase, os poemas de Duende de noche (Madrid, Pliegos, 1988), o amor. Um amor cujo erotismo não se nega às palavras. Um amor que é chegada ( me arrastré hasta tu pecho, me  agarré a tus manos), que é vida, alegria, reencontro.     Completando um itinerário em meio a essa poesia que se interroga e interroga o mundo e cujas respostas, por vezes, encontra no ser feminino ( eres mi única esperanza; eres  el diapasón / de mi  sonido)  irrompe o poema comprometido que se enerva e que arranha o preconceito  e o que ele justifica.

            “ Made in Usa”, como outros poemas do livro é um momento da vida do Continente: a viagem que faz o bruxo máximo da Ku-Lux-Flan a terras por ele desconhecidas, acompanhado de cinco gorilas, grandes, peludos, loiros e fortes  a consumirem grandes quantidades de chicletes e pousando  sorridentes para as câmaras de televisão, lembrando aquele Batman que Lihn fez chegar ao Continente em Batman no Chile.

            Teobaldo Noriega, colombiano, não ignora os milhares  de homens que trabalham nas fábricas, esses outros que morrem vítimas da violência da terra ou dos homens ou daqueles que devem partir e encontrar outras pátrias. Daí as muitas angústias, os muitos desalentos que embebem a sua poesia. Sabemos que ela é fruto do Continente.

           

domingo, 13 de maio de 1990

Como sempre, a luta

                                              Em 1981,  quando se realizava em Paris o Colóquio Internacional sobre o conto latino-americano, num fim de tarde, tomando mate  gelado, em busca do gosto do tererê, num dos cafés do Quartier Latin, Rúben Barreiro Saguier falou sobre suas vivências de intelectual no exílio, sobre seus escritos. Eis algo do que foi dito, então. 

            Em Paris, no exílio, Rubén Barreiro Saguier é um dos muitos latino-americanos levados a enriquecer a cultura da metrópole por contingências que foram impostas a sua vontade. Saí do Paraguai porque estava me sufocando nesse meio ditatorial no qual não podia trabalhar no que me interessava. Isto acontecia em 1962 ou 1963, quando, abandonando as suas aulas de Literatura Paraguaia e Latino-americana partiu para Paris com uma pequena bolsa do governo francês. A partir de então, como professor na Universidade Francesa, foi prolongando um exílio que já se iniciara na infância. Tive que iniciar o meu primeiro exílio em Assunção, cidade da qual nunca gostei. Quando podia, voltava a minha cidade. Villeta é o seu nome. Nos meus contos a chamo de Guarni.

Durante algum tempo ainda pode ir e vir  entre seu país  e a França mas, em 1972 foi preso em Assunção onde permaneceu incomunicável por dois meses e, só a pressão internacional propiciou  a sua liberdade, iniciada no avião que o levaria, novamente, para o exílio. E no exílio permaneceu, ensinando o Guarani na Universidade de Paris. Na verdade, Rubén Bareiro Saguier esquecera há tempos o curso que havia feito para agradar  seu pai: Como todo latino-americano subdesenvolvido fiz o curso de Direito, uma profissão detestável, que nunca exerci .Pretender ser advogado, ajudante da justiça? Seu caminho foi outro, o da resistência. Fui militante na resistência universitária e então conheci as prisões. Devem ter sido umas vinte, pelo menos.O da resistência intelectual, como Diretor durante  vinte anos, muitos dos quais em Paris, de Alcor, revista de cultura publicada na Paraguai. Ou fazendo jornalismo, crítica literária, poesia, contos. Eu comecei, também, como a maioria dos latino-americanos escrevendo poesia. Publicado em Madrid, Biografia del ausente (1961). Em Assuncão, La víbora de la mar, pequenos poemas muito breves, escritos em espanhol mas com uma estrutura interna puramente guarani. Ao lê-los me dei conta que esses pequenos poemas tinham essa estrutura que é própria do guarani, uma espécie de trajetória dialética em que não  há relação de causa e efeito. Depois, foi a premiação de um livro de contos, em 1971, pela Casa de las Américas, Ojo por diente do qual durante um certo tempo não foi possível achar ume exemplar em espanhol pois a péssima edição da Editora Monte Ávila, de Caracas, teve uma parte dela distribuída clandestinamente e a outra atirada nos seus porões. No ano seguinte¸com o título de Pacte de sang, o livro foi publicado na França, causando sua prisão no Paraguai e seu exílio. Em 1984, aparece em Assunção, El séptimo pétalo del viento.  E, no exílio, continuava Rubén Bareiro Saguier. Castigado não somente por amar a sua terra, mas  pensá-la. De Ojo por diente dirá Augusto Roa Bastos: A aventura dos fatos narrados se identifica com a aventura da linguagem na qual a palavra significa uma função  de vida vivida. A terra e o homem paraguaio transcendem assim o marco localista em direção a uma visão totalizadora de nossa América, em direção a uma visão, no mínimo totalizadora. 

domingo, 6 de maio de 1990

La luna que cae: uma narrativa feita de murmúrios


            No dia 28 de setembro de 1989, em Barcelona, acaba de sr impresso, pela Muchik Editores, La luna que cae. Segunda parte de uma trilogia cujo primeiro volume, Criador de palomas foi publicado pela Bruguera de Buenos Aires, em 1984, e pela Muchnik, em 1989, ano em que, também, apareceu em francês, pela Actes-Sud de Paris. Prometida  para a primavera européia deste ano, a terceira parte, El soñador de Smith.

            Em Criador de palomas, o menino, personagem central da narrativa, aprende da vida o amor, a ternura, a dor e a perda. Em La luna que cae, ele a enfrenta.

            O adolescente que tomara o trem para partir para o sul, para o frio, retorna. As últimas páginas de Criador de palomas dizem desse retorno e dos reencontros. O tempo havia passado. Era verão em Algarrobos e após os anos de ausência, na praça da pequena cidade, os laços que, aparentemente mal existiam, se estreitam. Em La luna que cae, o adolescente se fizera homem e voltara para se ancorar na velha casa de sua infância e no amor de Rosita.

            A narrativa desses amores e dos fantasmas que habitam o Pibe (Guri) e Rosita é quase só um sugerir. As vozes, poucas, mal se alçam para falar a meias ou em sussurros. Pibe quase sempre silencia e Rosita pouco fala. O leitor é informado de seus temores, desejos e alegrias por um narrador que lhes segue os pensamentos mas que não se dispõe a elucidar dúvidas. E, então,  o que ignoram Rosita e o Pibe é, também, o que ignora o leitor.

            O verão se escoa na felicidade dos amantes  que se submergem em erotismo, em ternura. E, o passado que se insinua na força das lembranças (morte e vida), como o presente de surpresas vis (morte e hipocrisia) não é tão forte que impeça a vitória do amor.

            Só ele merece todas as palavras. A morte do Negro, tio que fez o papel de pai para o Pibe, o suicídio do pai de Rosita são momentos da narrativa que se furtam à clareza. Vozes se calam, o narrar se interrompe. Sobre o poço que abriga os cinco cadáveres, nódoa que se instala no verão de Algarrobos, nada se explica  como não se explicam as mortes que contém, a identidade dos cadáveres, por que ali foram jogados ou por qual razão. Mortos que alguém afirma não serem da cidade e, por isso, só provocam perguntas e dúvidas que, nem por um instante, alguém deseja ver respondidas ou elucidadas. O Pibe gostaria de saber, mas cala. Clementino diante do espetáculo macabro, com algo de reprimido no seu  íntimo, pouco ou quase nada deixa transparecer.

            E, se os personagens não querem  (  evitando compromissos) ou não podem saber ( porque em torno dos fatos reina o silêncio), compete ao leitor entender além do que lhe é narrado.

            Gerardo Mario Goloboff, também escritor de poemas e de crítica literária, é argentino. Em La luna que cae ele apenas esboça os seus personagens, ele apenas conta algo de suas vidas que transcorrem nesse povoado de nome inventado.

            Mas, aí está – e nisso consiste a sua  maestria – e muito clara, a presença de seu país e com ele, o mapa do Continente.