domingo, 28 de janeiro de 1990

Claro-escuro


            O Haiti, pequeno país das Caraíbas, se oferece aos olhos do visitante como um espaço africano encravado no Continente: montes de cerâmica empilhadas, roupas coloridas, gritos exuberantes e alegres o conduzem para bem longe   da paisagem americana, diz o jornalista francês Marcel Niedergang.

            Durante uma boa parte de sua História, após ter se liberado da Espanha, o Haiti preservou a sua autonomia durante  as dezesseis constituições que proibiam a qualquer estrangeiro possuir ou alugar terras no Haiti.

            Em 1915, o mesmo presidente que recusara um tratado de assistência militar com os Estados Unidos, executou duzentos prisioneiros políticos. Foi massacrado pela população e as tropas americanas que aguardavam nas costas do país, desembarcaram na capital. A constituição  foi mudada de acordo com os interesses dos norte-americanos que, então, se instalaram no Haiti.

            Jacques Roumain tinha, nessa época, oito anos de idade. Aos vinte,  de retorno ao país depois dos estudos na Europa, publica seus primeiros poemas. E, não se nega a participar da ação política contra a ocupação norte-americana no Haiti. Será o início de um caminho de lutas e prisões que irá terminar em agosto de 1945. Etnólogo,professor, diplomata, romancista, ensaísta, poeta, um dos maiores vultos do Haiti, vivera trinta e oito anos.

            Publicado pela Messidor de Paris, o romance que o tornou mundialmente conhecido, Gouverneurs de la rosée (1946) foi reeditado em 1988. Um ano antes, a mesma editora publicara La montagne ensorcelée que engloba seus primeiros textos em prosa, vinte poemas entre os quais o belíssimo “Sales Nègres” e o ensaio “Les griefs de l’homme noir”.

            Escrito em 1939, “Les griefs de l”homme noir” se constitui uma reflexão sobre o racismo nos Estados Unidos. Racismo que Jacques Roumain baseia em situações reais e expressões ideológicas que examina à luz de fatos e documentação bibliográfica. Com argumentos apoiados na antropologia, na sociologia e na economia, busca não se deixar conduzir pela emoção o quê o leva, inclusive, a dizer que a questão moral da escravidão só interessa àqueles que descendem de escravos.

            Assim a emoção – sofrimento de gerações – fluirá, profunda e imensa,  em  seus poemas. O que não impedirá o poeta de neles  proclamar verdades e palavras de ordem: Nós não aceitamos mais as prédicas a golpes de chicote e o trabalho na colheita do algodão, da cana de açúcar, do café, do amendoim.     

            Jacques Romain, poeta negro, intelectual negro, não se enclausura, porém, numa luta restrita à tonalidade de cor. Alonga seu olhar para as demais minorias massacradas e deseja, e por isso lutar no desejo de que a justiça seja para todos os injustiçados: porque nós escolhemos o nosso dia e hei-nos de pé.

domingo, 7 de janeiro de 1990

O sentido do romance no Continente

            Elaborando-se sob o signo das transformações, a Literatura Latino-americana se encontra, hoje, mais do que nunca, num momento de auto-afirmação. Auto-afirmação que se revela quando o emissor adota uma posição de ruptura ideológica com os valores tradicionais da classe dominante e assume seu povo, suas vozes, seu destino: quando o texto se constitui um testemunho formal dessa ruptura ao deixar de repetir a linguagem dos colonizadores para ser um conjunto de significações desse povo mestiço, dessas vozes sussurrantes que ele, talvez, ajude a mudar.


            Se o emissor escolhe a ruptura, se o texto é testemunho dessa ruptura, se o receptor procura razões de fé na sua ficção, a crítica literária não deveria se afastar desse testemunho, dessa ruptura, dessa busca, mas, ali encontrar sua gênese.

            Sendo a Literatura Latino-Americana  dúvida, indagação, denúncia, grito de alerta, a busca de seu sentido é, também, a busca desse mundo que existe a seu redor. Um mundo onde tudo – direitos, obrigações, propriedades – são distribuídos de acordo com o desejo de alguns; onde é evidente a possibilidade que existe para que um homem ou um grupo de homens realize a sua vontade ainda que em detrimento dos demais.

            Seja a discussão e repúdio da parte dos escritores, seja a busca de soluções da parte dos sociólogos, ambas contém o desejo comum de conscientizar. Sobre as lutas e fracassos,a fome, a violência, o desemprego, a opressão,a morte. Sobre o domínio de alguns sobre a massa de deserdados que constitui a população latino-americana.

            Estrutura social que pode ser estudada, cientificamente, a partir de sua estrutura econômica, ideológica e jurídico-social. Recreada, porém, num universo romanesco, essa estrutura social que repete a estrutura d e uma sociedade real, poderá ser passível de uma análise cuja base seja a mesma teoria científica usada para estudar a sociedade real. Então, será possível perceber que, muitas vezes, as “trouvailles”estilísticas, os avanços formais do romance latino-americano contemporâneo não impedem um mimetismo ao reproduzirem as estruturas de uma sociedade concreta.

            Disse Grivel que o romance é uma das vozes da classe dominante se o escritor se origina dessa classe e assume suas intenções. Utilizando, porém, o romance como instrumento, pode fazer dele uma arma, uma denúncia contra essa classe, embora ela seja a sua.

            Sem dúvida, um ponto de partida para  reflexões que alcancem, também, o contexto e que torne possível a generalização de outro sentido que não seja aquele da classe dominante.