Don Emilio,
marido de Isabel, índia jovem que um dia, ao voltar do trabalho, entre as mercadorias de um mascate,
vê um vestido cor-de-rosa com enfeites
brancos e azuis, com rendas, fitas, laços, lantejoulas. Maravilhada, Isabel fica muito tempo olhando, a
vontade de possui-lo escorrendo dos olhos. Mas, nada deve ter que não lhe venha
do marido.
Outra
vez o mascate na praça, outra vez o vestido diante dos olhos e ofertado mais
barato. Isabel se afasta. No terceiro encontro, casual, o mascate indo embora,
talvez tocado pelo olhar da índia, lhe dá de presente o vestido. Isabel ainda
resiste às lantejoulas, às fitas, às rendas mas pega o vestido e foge.
E
passa a viver com seu delicioso segredo. À noite, quando todos dormem, Isabel
põe o vestido e o admira. Depois, o despe e o esconde novamente. No caminho que
percorre para levar comida ao marido, se detém, tira o seu vestido velho põe o novo, cor de rosa, enfeitado. Caminha
um trecho, feliz, para voltar a se trocar e continuar seu caminho.
Mas,
a descobrem as velhas do povoado. Corre a notícia de que Isabel tem um vestido
recebido de alguém, um vestido exposto junto com as mercadorias do mascate.
Inocência, ela jura para o marido. Porém, ele não mais a toca. Bastaram-lhe
monossílabos com os velhos índios para saber o que fazer.
Quando
o mascate, novamente, aparece no povoado, don Emilio vai procurá-lo: Venho matá-lo, senhor. Venho para
que nos matemos por causa de um vestido. Muita gente o acompanha. Todos
sabem porque e como Don Emilio deve fazer o que é preciso. Como em Crônica
de uma morte anunciada, ninguém irá impedir o ritual. Ambos levantam
o punhal. Para um deles, a luz do sol fica negra.
Isabel
sofre as sanções de um pecado não cometido. Don Emilio, surdo às suas palavras,
cego a sua vaidade adolescente, fica preso aos usos das leis patriarcais. Lava
uma honra supostamente manchada. O mascate e Isabel parecem culpados e o que
havia entre os três, era, apenas, um vestido cor-de-rosa.
“Isabel
es culpable” é um dos contos que compõem o livro El gobierno del cuerpo (Joaquín Mortiz, 1977) de Ricardo Garabay.
Mexicano, nascido em 1923, publicou Beber un cálice, Bellísima bahía,
Lo que es de César, La casa que arde de noche e Diálogos
mexicanos.
Clássicos
na sua forma ou se aproximando da expressão dinâmica do cinema, os contos de Goberno
del cuerpo estão em acorde com a temática que os orienta: as tensões de uma
classe média urbana essencialmente preocupada com seus cotidianos problemas existenciais.
Exceção
do conjunto, o conto “Isabel es culpable”. Um universo distante, em todos os
sentidos, dos demais que povoam o livro. O trabalho da terra e o silêncio
bastam às duas vidas simples cuja trajetória deveria ser linear. E, simples, e
linear se constrói o conto. Parco em palavras, enuncia apenas o perfil de cada
personagem, o desejo pueril de Isabel e os atos de Don Emilio e do mascate que
se seguirão ao desejo satisfeito.
Os
atos masculinos se inscrevem na tradição. Um procurando dar a morte; outro se
defendendo. Ambos aceitando a lei. A mesma lei que impõe à mulher a impotência
e a solidão. Silenciosa, submissa, Isabel sem defesa, se refugia na ilusão do
vestido.Na arena da vida – mundo masculino – o direito que ela tem de possuir
essa ilusão é decidido com punhais.


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