domingo, 20 de agosto de 1989

Antigas imagens

            O México ainda era colônia da Espanha quando nasceu José Joaquín Fernándes Lizardi. Como muitos outros, ele almejou ver a terra em que nascera como um país independente e para isso lutou com as armas de que dispunha: as palavras. Seus primeiros textos foram folhetos que vendia por alguns centavos. Mais tarde, fundou um jornal, El pensador mexicano. Tão inflamados os seus argumentos e tão cheios de razões que antes de ser publicado o número dez, ele já fora preso por ordem do rei.

            Impedido de divulgar seu pensamento, decidiu escrever obra de ficção e, assim, surgiu El periquillo sarniento, publicado em 1816, um ano depois de ter desistido de seu segundo projeto jornalístico, Alacena de frioleras, censurado porque não agradavam ao governo suas diatribes  contra a escravidão.

            El periquillo sarniento é um romance picaresco. Narra, em primeira pessoa, a vida de Pedro Sarniento, apelidado pelos colegas de periquito sarnento por se vestir de verde e amarelo e por ter sarna. Sua vida de estudante e de jogador que acaba por conduzi-lo ao hospital e à prisão, é uma sucessão de  aventuras  cujo relato  o narrador procura tornar agradável, evitando a monotonia do estilo com a mistura de um tom sério e sentencioso com  outro, trivial e bufão. Perfeitamente encaixadas nos episódios, digressões sobre sucessos do cotidiano ou sobre aspectos morais que, no dizer dos críticos, diminuem o ritmo narrativo. A estas observações sobre a estrutura da obra se acrescentam as que censuram, igualmente, em Lizardi, sua galeria de tipos populares e um estilo eivado de mexicanismos.

            Parece incompreensível que tais razões se sobreponham ao fato de ser El periquillo sarniento, uma das primeiras tentativas de romance na América que traz, no seu bojo, importantes idéias  de liberação, não somente da metrópole, mas de tudo o que por preconceituoso, supersticioso, dogmático ou conservador, retarda o desenvolvimento de um povo.

            Muitas das obras que tratam da História da Literatura no Continente, mal mencionam El periquillo sarniento. No entanto, além de ser um clássico no gênero, não espelha apenas o México do século XVIII mas, como diz Anita Arroyo no seu livro Américo en su Literatura,  todo  o Continente  Latino-americano cujas transformações se produzem numa sincronia historicamente fatal. Assim, ao pintar Lizardi as feridas sociais de sua pátria, estava pintando os mesmos erros e os mesmos horrores das outras colônias hispano-americanas.

            E quer queira, quer não, o Brasil faz parte desse Continente e não de outro, permitindo estabelecer, sincronicamente e diacronicamente inúmeros paralelismos. Então, é lamentável o se poder constatar quanto é atual esse romance de Lizardi. Porque as incontáveis décadas transcorridas desde o seu aparecimento não foram  suficientes para que as transformações almejadas por ele e por tantos outros, fossem concretizadas. A conquista da liberdade e com ela os benefícios de uma vida digna para todos ainda é um sonho distante no Continente.

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