O
México ainda era colônia da Espanha quando nasceu José Joaquín Fernándes
Lizardi. Como muitos outros, ele almejou ver a terra em que nascera como um
país independente e para isso lutou com as armas de que dispunha: as palavras.
Seus primeiros textos foram folhetos que vendia por alguns centavos. Mais
tarde, fundou um jornal, El pensador mexicano. Tão inflamados os seus
argumentos e tão cheios de razões que antes de ser publicado o número dez, ele
já fora preso por ordem do rei.
Impedido
de divulgar seu pensamento, decidiu escrever obra de ficção e, assim, surgiu El
periquillo sarniento, publicado em 1816, um ano depois de ter desistido
de seu segundo projeto jornalístico, Alacena de frioleras, censurado
porque não agradavam ao governo suas diatribes
contra a escravidão.
El
periquillo sarniento é um romance picaresco. Narra, em primeira pessoa, a
vida de Pedro Sarniento, apelidado pelos colegas de periquito sarnento por se
vestir de verde e amarelo e por ter sarna. Sua vida de estudante e de jogador
que acaba por conduzi-lo ao hospital e à prisão, é uma sucessão de aventuras
cujo relato o narrador procura
tornar agradável, evitando a monotonia do estilo com a mistura de um tom sério e sentencioso com outro, trivial
e bufão. Perfeitamente encaixadas nos episódios, digressões sobre sucessos
do cotidiano ou sobre aspectos morais que, no dizer dos críticos, diminuem o
ritmo narrativo. A estas observações sobre a estrutura da obra se acrescentam
as que censuram, igualmente, em Lizardi, sua galeria de tipos populares e um
estilo eivado de mexicanismos.
Parece
incompreensível que tais razões se sobreponham ao fato de ser El periquillo
sarniento, uma das primeiras tentativas de romance na América que traz,
no seu bojo, importantes idéias de
liberação, não somente da metrópole, mas de tudo o que por preconceituoso,
supersticioso, dogmático ou conservador, retarda o desenvolvimento de um povo.
Muitas
das obras que tratam da História da Literatura no Continente, mal mencionam El
periquillo sarniento. No entanto, além de ser um clássico no gênero, não
espelha apenas o México do século XVIII mas, como diz Anita Arroyo no seu livro
Américo en su Literatura,
todo o Continente Latino-americano cujas transformações se
produzem numa sincronia historicamente fatal.
Assim, ao pintar Lizardi as feridas sociais de sua pátria, estava pintando os
mesmos erros e os mesmos horrores das outras colônias hispano-americanas.
E
quer queira, quer não, o Brasil faz parte desse Continente e não de outro,
permitindo estabelecer, sincronicamente e diacronicamente inúmeros
paralelismos. Então, é lamentável o se poder constatar quanto é atual esse
romance de Lizardi. Porque as incontáveis décadas transcorridas desde o seu
aparecimento não foram suficientes para
que as transformações almejadas por ele e por tantos outros, fossem
concretizadas. A conquista da liberdade e com ela os benefícios de uma vida
digna para todos ainda é um sonho distante no Continente.

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