domingo, 20 de novembro de 1988

A América de um ilhéu

                                                                               Tardes são feitas para durar
                                                                               mentiras não
                                                                               pesco todos os dias
                                                                               águas escuras
                                                                               por enquanto. 

            Um jovem poeta gaúcho assina esses versos. Renato Tapado, nascido em 1962, estudante de Letras na Universidade Federal de Santa Catarina cuja Editora lhe publicou os versos: Poemas para quem caminha. Com esta obra e Grifos e Emblemas de Hugo Mund Junior, ambas vencedoras do Prêmio Luiz Delfino – 1987, a Editora da Universidade catarinense inicia a coleção “Ípsis Literis”, destinada a divulgar a produção do Estado nas áreas de ficção, poesia e teatro.

            Poemas para quem caminha  é um pequeno livro de cinqüenta e cinco páginas . Os poemas, muitos deles de reduzidas dimensões ( dois, três, quatro versos), misturados com outros maiores ( nunca mais de vinte e seis versos), são como lampejos poéticos cujo início e fim não foram cristalizados pela escrita tradicional com suas maiúsculas, com  sua pontuação, com seus títulos. Dois aspectos chamam, especialmente, a atenção nos poemas de Renato Tapado. Uma lírica  despida daquele individualismo juvenil, tantas vezes, expressão primeira dos primeiros anos, testemunha das tensões de seu tempo; e, raro  na expressão poética brasileira, a presença da América Latina.

            A inserção do poeta no tempo presente irá definir o caminho de quem se quer em transformação ( amanheço / esqueço as âncoras em balsas) e orientar o olhar que não se esquiva de uma realidade que, também, precisa ser transformada ( no cotidiano dos que estão morrendo / junto com as mentiras e os pássaros inocentes).

            Um sentir que se estende além do espaço natal, ampliando uma geografia na qual se inscreve o Continente. Presença feita de poemas , aliás os únicos que possuem títulos ( Uruguai, Argentina, Honduras, Cuba); ou de referências esparsas em versos ( queira ler quatro livros sobre a América / receber uma carta de Havana); em expressões ( irmão da Nicarágua, chileno, Buenos Aires, ou casa tomada, lembrança do nome de um dos mais conhecidos contos de Julio Cortazar); em uma ou duas palavras em espanhol.  Ou presenças ainda mais efetiva, expressa nos versos de poetas latino-americanos que aprecem em epígrafe ou na recriação que se sobrepõe aquela frase tão cara a tantos latino-americanos: a morte é cotidianamente / endurecer-se / porém sem ternura.

            Poemas para quem caminha são os primeiros passos de um poeta. Na rota que escolheu encontra raízes e sonhos. E farpas. Do sofrimento que delas advém, também versos.

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