E’comumente aceito
entre os teóricos da Literatura que, ao se iniciar o século XX, havia um
cansaço europeu em relação ao já visto e ao já conhecido, cansaço este que
levou à busca de novos e estimulantes motivos de inspiração.
Os
trabalhos de Leo Frobenius sobre os
fetiches africanos e a visita de Louis Mitchell à Europa, levando o gosto pelo
jazz que se havia apoderado dos norte-americanos, oferecerão um tema até então ignorado e que
irá se concretizar, quando, em 1921, Blaise Cendrars publica a sua famosa Antologia Negra.
O
interesse pelo negro, instalado na Europa e nos Estados Unidos chega, então, à
América Hispânica. Artistas e escritores
passam a ter olhos para o que, na verdade, há muito existia ao seu redor e
recriaram uma poesia que vinha sendo cultivada, esporadicamente, desde o
período da escravidão com um tratamento americano e original,
Espalhado
pelo Continente americano essas novas expressões poéticas, ora se aproximam do negro atraído pelo seu
exotismo, ora se detém no seu mundo
interior misterioso e dramático. E, a grosso modo,farão surgir três vertentes
bem definidas: a manifestação poética de tipo erudito cuja linguagem culta
descreve o negro como elemento pitoresco; outra, de caráter popular e folclórico que usa a expressão dos negros
na busca de efeitos musicais e rítmicos ; e uma terceira, de nítida intenção
política, preocupada com o perfil social do negro.
Em
Cuba e em Puerto Rico principalmente, apareceram, criados por grandes poetas,
poemas que ultrapassaram o modismo e permaneceram como excelentes textos
literários.O que aconteceu em quase todos os países da América - inseridos numa ou noutra tendência - mesmo
naqueles onde a presença do negro não é
estatisticamente representativa, houve quem poetasse por ele ou nele se
inspirasse.
Assim,
no Chile, onde se pode considerar nula a presença de indivíduos de raça negra,
a Literatura pode se orgulhar de possuir um dos mais belos poemas de temática negra:
“Bailando com los negros”, que faz parte de Canción de Gesta (La Habana, Imprenta Nacional de Cuba, 1960) e,
também, da antologia Poesia negra de
América (México, Ediciones Era, 1976). Sem
o convívio com os negros, e em
conseqüência, sem fonte próxima de inspiração, foi obedecendo a sua
visão de mundo, voltada para o social, que esse poema de Pablo Neruda denuncia
os preconceitos e maus tratos de que sempre foram vítimas os negros do
Continente americano . O Poeta esteve em Cuba em 1942 e, talvez, “Bailando com
los negros” seja um poema circunstancial: conhecer de perto também as injustiças com o
homem negro o incitaram a com ele se
irmanar . Curiosamente, no poema, irmanar-se na dança e não na preconização da
luta que iria advir anos depois com a Revolução cubana. Um irmanar-se que
sempre foi expressão do poeta chileno em
relação às injustiças e misérias das quais foi ao longo de toda a sua vida um
portentoso adversário.
Na
década de 50, Pablo Neruda escreveria: Porque onde não tenha voz um homem / ali,
minha voz / Onde os negros receberam pauladas / eu não posso estar morto.
Dançando com os negros
Negros
do Continente, ao Novo Mundo
destes
o sal que lhe faltava:
sem negros não respiram os tambores
sem negros os vilões não tocam.
Imóvel
era nossa verde América
até
que se moveu como palmeira
quando
nasceu de um casal de negros
o
baile de seu sangue e sua graça/
E
depois de sofrer tantas misérias
e
de cortar até morrer, a cana
e
de cuidar de porcos lá no mato
e
de carregar as pedras mais pesadas
e
de lavar pirâmides de roupa
e de subir carregados as escadas
e
de parir sozinha no caminho
e
de não ter prato e nem colher
e
de receber mais pauladas, que salário
e
de sofrer a venda da irmã
e
de moer farinha todo um século
e
de correr um dia por semana
e
de correr como um cavalo, sempre
repartindo
grandes caixões de alpargatas
manejando
a vassoura e o serrote,
e
cavando caminhos e montanhas,
deitar-se
cansados, com a morte,
e
viver outra vez cada manhã
cantando
como ninguém cantaria
cantando
com o corpo e com a alma.
Coração
meu, para dizer isto
parte-me a vida e a palavra
e
não posso continuar porque prefiro
ir
embora com as palmeiras africanas
madrinhas
de música terrestre
que
agora me chama da janela:
e
me vou dançar pelos caminhos
com
meus irmãos negros de La Habana.
(Tradução
de Cecília Zokner)

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