Em
1927, vindo de Buenos Aires, desembarcou em Lisboa, breve pausa de um longo
itinerário que o conduziria a Rangum para assumir funções consulares. Dessa
breve estada em Portugal, deixou testemunho nas suas memórias e no poema “La
lámpara marina” que escreveria mais tarde.
E presente, também está Portugal no poema “Saudade” do livro, Crepusculario.
É o primeiro
livro do poeta e como relata em Confieso que he vivido, publicado, em
1923, as suas expensas, numa a aventura cujo preço foi a venda de uns poucos
móveis e o empenho do relógio que, solenemente, lhe tinha sido dado pelo pai.
No entanto, lhe propiciou muita alegria e um momento, dirá mais tarde, que
nunca mais voltará: “Virão muitas edições mais cuidadas e mais belas. Chegarão
suas palavras transferidas na excelência de outros idiomas como um vinho que
canta e perfuma em outros lugares da terra. Mas, esse minuto em que sai fresco
de tinta e terno de papel, o primeiro livro, esse minuto arrebatador e
embriagante, com sons de asas que revoluteiam e de primeira flor que se abre na
altura conquistada, esse minuto está presente uma só vez na vida do poeta”.
Foi
escrito em Santiago, precisamente na pensão da rua Maruri, 513 e os quarenta e
oito poemas que dele fazem parte se abrigam sob cinco títulos – o poeta os
chama de capítulos – sendo “Los crepúsculos de Maruri”, o terceiro e no qual se
inscreve “Saudade”. Palavra (título, também a iniciar o poema e a finalizá-lo)
que, é sabido, não pertence à língua do poeta. Assim, nas quatro estrofes,
constituídas de quartetos de rimas intercaladas, Pablo Neruda procura o seu
sentido. Perguntando sobre um significado que nem os dicionários empoeirados e
antigos, nem outros livros lhe oferecem. E que define como “doce” e de “perfis
ambíguos”. Ampara-se, então, na palavra alheia (“dizem”), na emoção de um
amigo, ao pronunciá-la e na presença que presume em Eça de Queiroz (“sem olhar
a adivinho”). E, ainda, insatisfeito, interpela alguém sobre o que quer dizer
essa palavra. Porém, continua sem resposta, preso, apenas, à sonoridade: um
tremor delicado. E a repete, seguida de reticências, fazendo dela, o último
verso do quarteto.
Se
a primeira estrofe do poema, apesar da rima, da sinestesia e da
antropomorfização da palavra, presentes no último verso, está próxima de um
texto em prosa, nas demais, o poeta irá entrelaçar imagens e sugestões com
elementos que serão uma constante nos seus versos: palavras remetendo ao amor,
à natureza, às cores, a um interlocutor, ao próprio sentir. Aproxima da palavra
saudade, também sem mencioná-la, substituída por pronomes, o destino dos amores
distantes que nela se entristecem, elementos do mundo animal, tonalidades (os
azuis das montanhas, dizem que são como ela, palavra branca), um amigo
(valorizado pelos adjetivos “nobre” e “bom” e por ser amigo das estrelas) e a
expressão do sentir de outrem e de si próprio ao pronunciá-la. Nessa atribuição
de cor e de mistério, de doçura e de ser inatingível (comparando-a com a
borboleta e o peixe que não se deixam apanhar), da sensação física a permanecer
na boca (“Y me tiembla la boca su temblor delicado...), a impotência de uma
definição expressa no último verso, feito apenas da palavra que não se entrega:
“Saudade...” Como Crespulario, palavra inventada por ele, para título
desse livro que reúne os poemas escritos entre 1920 e 1923. Primícias do poeta,
ousando expressar a grande aventura do viver e do sentir – um crepúsculo,
perfumes, sons de sinos, uma reflexão sobre a morte ou sobre o amor ou sobre a
passagem do tempo, lembranças de leituras – já prenunciando essa trajetória que
não elude os motivos poéticos que, também, as pequenas coisas oferecem; já
definindo essa relação profunda com as palavras da qual dará constância no seu
livro de memórias. E estabelecendo esse fio tão tênue – saudade, Eça de Queiroz
– com Portugal que, somente muitos anos depois, com os poemas do canto XV, “La
lámpara marina”, de seu livro Las uvas y el viento, irá retomar.
Curitiba, junho de 2004