Em
1936, Serafin J.García, nascido em Treinta
y Três, cidade uruguaia próxima do Brasil, publicava Tacuruses. Depois, livros de contos, de
poemas, antologias da Literatura Nativista do Uruguai se seguiram. Porém, foi Tacuruses que mereceu mais de dez
edições no seu país e extrapolou
fronteiras para fazer admiradores no Rio Grande do Sul como bem o
registra, no dia 26 de março de 1974, quando ainda existia o velho Correio do Povo, o cronista Sérgio da
Costa Franco.
Os
poemas de Tacuruses tratam da
querência, do botequim, do amor, das brigas, das taperas. Tem como cenário, o
campo. E como expressão, a linguagem gauchesca. Um, entre tantos livros de
poemas sobre o gaúcho. Mas, um livro que se afasta da trilha conhecida, ao
enunciar os novos momentos vividos por aquele que foi o dono dos pampas e,
progressivamente, vai se transformando em agricultor ou vai sendo marginalizado
de seu trabalho campeiro para dar lugar aos que semeiam. E’o “gaúcho novo”,
dizem os críticos. O seu protótipo está
retratado no poema “Orejano” (orelhano), termo que no tempo da dominação
ibérica designava os animais que não haviam recebido a marca da Coroa, dona das
terras e de suas riquezas e que por
extensão passou a significar, também “livre”, “sem dono”.
O
gaúcho que se expressa no poema de Serafin J.García é aquele que sobreviveu à
limitação dos horizontes pelas cercas de arame farpado, submetendo-se à leis da
civilização, da Igreja, dos costumes. Deixou de ser aquele gaúcho nômade que
roubava a mulher, levando-a na garupa do cavalo para abandoná-la quando o
interesse fora perdido, ignorando o
filho que, por ventura, dessa união viesse a nascer; ou, aquele que
seguia, sem muito entender os porquês, o
caudilho eventual.
O
gaúcho de “ Orejano” constituiu família e se fixou na terra. Porém, o fez a sua
maneira, negando-se a passar por um juiz que lhe oficializasse a união ou pela
igreja que lhe batizasse os filhos;
negando-se à submissão e ao silêncio; já não o convencem com quatro mentiras / os graudões que chegam da cidade / para elogiar divisas já desmerecidas / e fazer promessas que nunca cumpriram. Essa recusa dos assim chamados valores tradicionais,
presente em cada poema de Tacuruses,
verdadeiro enunciado de protesto contra as leis que regem o viver social,
irá se fortalecer em Burbujas, livro de contos, publicado
quatro anos depois. O campo continua sendo o espaço. E o assunto, o contrabando,
o drama da prostituição ou da criança abandonada, a situação passiva da mulher
e a transformação do homem das lides do campo para o homem que planta.
Nos
poemas e nos contos se retrata um mundo dividido: o poder econômico dos
estancieiros servidos pelo poder público; a força de trabalho exercida pelos
peões e pela criadagem quase igualados na pobreza aos marginais ( a prostituta,
o ladrão de ovelhas, o contrabandista). Não mais um espaço aberto e sem dono, campos verdes a
se perderem no infinito e o gaúcho altivo e brigão, dominando a paisagem. A
terra dividira-se em propriedades e nela só havia lugar par aquele que
aceitasse as novas regras.
O
chamado “gaúcho novo” testemunha a pobreza, a exploração de que são vítimas,
sobretudo, as mulheres e as crianças, os homens cujo trabalho não mais
interessa aos meios de produção. E a seus olhos abertos não mais se escondem as “bicheiras” do Sistema; sua voz se ergue para cantar verdades. Que se
perdem no vazio.

