Em
1937, Jorge Amado, no exílio, viajou pela América Latina e foi quando escutou
f\alar, pela primeira vez, no romance Doña
Bárbara e em seu autor, o escritor
venezuelano Rômulo Gallegos. Os comentários sobre a obra já haviam começado a
soar-lhe nos ouvidos na Argentina e, assim foi acontecendo nos demais países
pelos quais passou.
No
México, finalmente, segundo recorda Jorge Amado, um amigo lhe ofereceu o livro.
A leitura o entusiasmou: Visão
maravilhosa da vida venezuelana, bravio e cheio de um cheiro agreste, opulento
de vida, reunindo todas as qualidades de técnica, estilo e poder criador que
fazem os grandes romances.
Quando a Editora
Guairá, de Curitiba, o consultou sobre a obra que deveria iniciar a coleção de
ficcionistas latino-americanos foi o romance que, não somente indicou, mas do
qual fez a tradução. E’ no Prólogo dessa edição sem data que Jorge Amado conta
como se deu o seu encontro com Doña
Bárbara. Um encontro que irá se repetir trinta e sete anos mais tarde,
quando, em 1974, desta vez pela Record, será, novamente, publicado no Brasil o
romance de Rômulo Gallegos. Para essa edição, Jorge amado retoma a tradução
que, segundo os editores, pode ser considerada obra nova na medida em que foi
revista e readaptada pelo tradutor.
Na
verdade, são inúmeras as modificações que surgem nesta nova edição. Em primeiro
lugar, saltam à vista as notas de rodapé que explicam o significado de palavras
conservadas no original e cujo correspondente não existe na Língua Portuguesa
pois, ou se referem a tipos regionais como os bogas ( remadores que se
utilizam de varas num bongo, espécie
de canoa indígena) ou se referem à flora e à fauna como palodeagua ( grande árvore frondosa da beira dos rios) ou temblador ( peixe de rio, sem escamas
que possui quatro órgãos elátricos).
Menos evidente, a tradução de algumas palavras que haviam sido conservadas no original, na
edição de Curitiba, Assim, cajón e chaparrales tem o seu significado
esclarecido na edição de 1974: vale e
carvalhos.
Entretanto,
a diferença entre as duas edições não se atém, somente, à opções relacionadas
com os termos de difícil tradução. Elas existem, também quanto à exatidão dos
termos empregados. Assim, na tradução revista, as palavras berrantes e casa, por
exemplo, foram substituídas pelas palavras sujas
e bodega que, sem dúvida, são as correspondentes ao
espanhol mugrientas e pulperia.
Igualmente,
existem diferenças entre os dois textos quanto à posição das palavras na frase.
Em geral, são os adjetivos que aparecem
em lugares diferentes. Na Edição da Guairá, antes dos substantivos; na edição
da Record, depois: terrível sol, bronzeados e suarentos corpos – sol terrível,
corpos bronzeados e suarentos.
Porém,
o que mais chama a atenção em ambos textos é a eliminação de certos termos. Ou,
uma palavra foi eliminada na primeira versão e conservada na segunda ou foi
conservada na primeira e eliminada na segunda versão. Muito interessante, a
eliminação da palavra inferiores relacionada
com a palavra raças. A palavra
desapareceu do texto revisto por Jorge
Amado. Não menos interessante, a eliminação do adjetivo terríveis que se refere à jacarés, adjetivo que não consta em nenhuma
das edições.
Embora
se trate somente de alguns exemplos, são importantes ao se constituírem um
valioso material para o estudo do estilo de Jorge Amado e, também sobre a sua
concepção de mundo. Porque, não apenas mostram como o romancista brasileiro
constrói, a partir do texto espanhol, dois textos para Doña Bárbara, mas possibilitam observar que nessa construção houve
escolhas que foram definitivas, enquanto outras sofreram modificações.
E,
sem dúvida, são dignas de atenção essas escolhas que negam ao homem e ao animal um epíteto
pejorativo. O que no texto de Rômulo Gallegos, inegavelmente, está muito claro.

