Suficientemente
conhecidas são as circunstâncias que, na América Latina, colocam e sempre
colocaram frente a frente duas minorias que respondem pela maioria: aquela que
é detentora de privilégios e a outra que tem voz e se expressa ( e,
eventualmente, também goza de privilégios). Esta, busca a palavra; a outra o
silêncio. A palavra, perseguindo a mudança; o silêncio, a estratificação. Essas
forças desiguais ao se confrontarem, é evidente, levam ao fracasso da mais
fraca e que somente possui a voz. Silenciada, parte para construir um destino
em outras terras. Um país se esvai; outro, que sabe receber e usufruir, se
enriquece.
Pequenos,
longos, intermináveis. Jamais encontram um fim os sofridos caminhos do exílio.
Porque dez, vinte, trinta ou mais anos
contando distâncias e ausências podem resultar menos perdas do que o
retorno ao que era, ao que foi. Para os artistas, para o escritor latino-americano
o exílio se constitui, mais do que nunca, uma realidade, pois embora já existam
espaços libertos, eles são poucos,
restritos e imprecisos e a volta à pátria não significa, obrigatoriamente, que
o exílio tenha terminado. Muitas vezes, é apenas um outro que se inicia.
Nas
Américas, esse dessangrar é tão intenso quanto a qualidade das obras que, em
geral, não chegam (ou chegam por meandros) a serem lidas na maioria do seus
países pois não é segredo para ninguém
que, salvo as sempre honrosas exceções, também a política editorial dos paises
latino-americanos é colonizada. Razão
suficiente para insistir no fato de que existem muitos escritores latino-americanos cujas obras (
excelentes) o leitor brasileiro, por uma razão ou por outra, desconhece. Ou
tem condições de conhecer apenas de
maneira muito restrita e aleatória.
A partida
Argentino
que vivia em La Rioja, jornalista e professor de violino no Conservatório,
autor de cinco livros de contos (Artista
de variedades, La lombriz, El fuego interrumpido, Mi música es
para esa gente, El estuche de
crocodilo) e de cinco romances (Uma
luz muy lejana, El oscuro, El trino del diablo, El vuelo del tigre, La Bahia) Daniel Moyano há dez anos, desembarcou, com a mulher e três
filhos, em Barcelona, na condição de exilado. No seu país, um dia fora levado
preso e preso permaneceu vários dias. Quando o puseram em liberdade quis saber
o porquê de sua prisão. Responderam que não sabiam e que melhor seria se não
desejasse respostas. Aquela que obteve de si mesmo foi a decisão de partir para
outro país onde pudesse criar seus filhos sem medos.
Hoje,
em Madrid, voltou a trabalhar como jornalista e depois de uma pausa de quatro
anos, voltou a tocar. Sua pena, porém, jamais silenciou. Nos primeiros anos de
exílio escreveu um livro de contos que define como um livro sobre o exílio que
não seja um lamento. Nessa mesma época, terminou seu romance El vuelo del tigre que iniciara em La
Rioja. El trino del diablo, já traduzido para o inglês, francês e polonês,
aguarda decisão de uma editora brasileira que, ignorando as leis dominantes do mercado livreiro,
vai inovar, publicando uma obra de autor desconhecido no Brasil cuja leitura
lúdica será, sobretudo, instigante nos seus meandros.
A chegada
Em 1947, com vinte e sete anos, Augusto Roa Bastos já estava exilado na Argentina. Desde então, foram muitos ofícios, foram muitas moradias: Eu tinha sempre que recomeçar, condenado a estas perpétuas migrações. Simultaneamente, o teimoso exercício do trabalho jornalístico e literário a se expressar na poesia ( El naranjal ardiente), no teatro (El niño del rocio), no conto (El baldio, El trueno entre las hojas), no romance (Hijo de hombre, Yo el supremo). Estes, publicados em 1965 e 1977, respectivamente, pela Paz e Terra do Rio de JaneiroNo entanto, para Augusto Roa Bastos, como para os demais escritores paraguaios, o exílio acontece muito antes do efetivo exílio político: se inicia no momento em que o escritor deve escolher o idioma em que irá se expressar. Para Augusto Roa Bastos, a Literatura é, fundamentalmente, comunicação e, assim, a sua escolha foi forçosamente o espanhol e não o guarani. Mas, está consciente que ao escrever em espanhol, o ficcionista sente que está traduzindo de outro contexto lingüístico e, ao fazê-lo está ele mesmo se separando desse contexto, ficando sempre com algo por dizer. Isto leva o escritor paraguaio à necessidade de fazer uma literatura que não fique na literatura; de inventar histórias que sejam a transgressão da História Oficial; de minar com um escrita desmistificadora a linguagem carregada de ideologia da dominação.
Recentemente, o escritor paraguaio recebeu a cidadania
espanhola. No mês de novembro passado, em Madrid, ele dizia: O exílio foi o meu grande mestre, me proporcionou serenidade.
Serenidade
para chegar, finalmente, a um espaço onde viver o quê sempre lhe foi negado por seu
país.
A espera
Salvador Allende assassinado. O Chile se desagregando e se desfazendo um dos momentos socialistas do Continente. Carlos Droguett recolhia testemunhos, depoimentos, histórias de infâmia e de sangue. Até então, havia sempre considerado o exílio como um estado de espírito próprio do artista, do escritor. Incapazes de se adaptar a moldes, padrões, ordens e esquemas e, em conseqüência dessa incapacidade, vivendo continuamente uma diáspora. Todavia, ao sair do Chile como exilado, o exílio, para ele, adquiriu uma nova dimensão: Nossa terra circulada por nossas artérias matiza indelevelmente nossos olhares, embaralha nossas lembranças. Fora do Chile, traz o Chile dentro de si. Porém ao pensá-lo, o faz como se fosse algo que um dia existiu. E que somente tornará a existir, para ele e para tantos outros, quando o terrível pesadelo trágico chegar ao fim.
Na
Suíça, onde vive agora, Carlos Droguett escreve furiosamente. Nada quer deixar
sem dizer: Não devem existir lembranças
mortas, mas a voz massacrada dos que se foram, vozes saídas do silêncio que
devem ser escutadas. Porque há também outro exílio. Aquele que sofrem os
chilenos que não souberam ou não puderam sair do país. O exílio dos que,
sucessivamente, enfrentaram a delação, a prisão, a tortura o desaparecimento, o
assassinato e deixaram testemunhos
escritos ou falados de sua passagem pela terra, de sua vertiginosa
agonia na cela e no leito de tortura que também eram a sua pátria.
De
sua obra,vasta, densa, dura, apenas Eloy
foi traduzido para o português e publicado pela Codecri, em 1982. El compadre (premiado na Espanha e
impedido pela censura franquista de ser publicado), El hombre que trasladaba las ciudades, El hombre que habia olvidado, Todas esas muertes, Patas de perro (uma das obras primas da
Literatura do Continente) continuam desconhecidas no Brasil.
O regresso
Em
1977, num ciclo de palestras sobre a Crítica latino-americana, realizado em
Caracas, Mario Benedetti dizia que estavam longe os tempos em que o
imperialismo queria apenas
neutralizar os intelectuais
latino-americanos e o fazia oferecendo-lhes regalias das Fundações. Que tal
estratégia havia sido mudada para outra, mais eficiente e rápida, a dos
esquadrões da morte. Conseqüência lógica da própria transformação dos
intelectuais e artistas aferrados a frágeis conceitos de liberdade e que
acabaram assumindo ou, pelo menos, compreendendo a liberdade revolucionária. E o
argumento maior para confirmar essas palavras seriam os trinta poetas
latino-americanos mortos pela repressão e as centenas de escritores e
intelectuais exilados.
O
exílio de Mario Benedetti se iniciou na Argentina e depois de uma permanência
de um ano em Cuba, ainda se prolongou na Espanha. Em Montevidéu, ele dirigia o
Departamento de Literatura Hispano-americana da Faculdade de Humanidades e
Ciências. A docência e o gosto pelo livro levaram-no a possuir uma biblioteca
de mais de sete mil volumes que deixou para trás ao sair do Uruguai. Sofrimento
menor diante dos outros que enfrentava. Pois não trocaria (entre outras trocas)
nesses meses de exílio, dois Shakespeare
e três Balzac por um entardecer na praia de Malvin?
Crítico
literário (Letras del Continente Mestizo),
contista (Montevideanos), dramaturgo
( Pedro y el capitán), romancista (La trégua), colaborador da revista Marcha
desde 1945 até a sua clausura em 1974 pelo governo militar, Mario Benedetti
está de volta a seu país. Para rever as ruas, sentar-se num café (melhor ainda se estiver chovendo
torrencialmente), dar uma olhada no Palácio Salvo. Para reencontrar-se com a
sua biblioteca (no caso dela ter sobrevivido à sua ausência e a possíveis buscas pelo Sistema). E, para sofrer um pouco
mais com esses reencontros. Volto e peço
perdão pela demora.
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