sexta-feira, 9 de maio de 1986

Maria Rosa e o Cometa

            O Cometa, Maria Rosa e Gaspar Mora. Um longínquo e estranho triângulo amoroso. Maria Rosa, amando doidamente Gaspar Mora. Gaspar Mora, alheio a tudo, preso na muralha de sua doença, morrendo na beira de um riacho seco.  E o Cometa. Impassível como parecem os astros diante da dor dos humanos, cumprindo, ao passar, nada mais do que o seu ritualístico destino.

            Foi no tempo em que o Cometa apareceu no céu e aproximou, ameaçadoramente da terra sua imensa cauda de fogo. No Continente, a terra seca, o sofrimento, a lei dos homens. Também, sobretudo, um entrelaçar de ódios, amores, crenças e enganos.

            Hijo de hombre, o primeiro romance de Augusto Roa Bastos, foi publicado em 1960. Na época, o romanista paraguaio tinha quarenta e três anos. Nascera sete anos depois da passagem do Cometa . Seu personagem narrador, contando a história do carpinteiro Gaspar Mora e de Maria Rosa, lembra do espanto de seus cinco anos, profundamente comovidos pela presença terrível da víbora de fogo que ia engolir o mundo. Perplexo, também, diante da figura do leproso, músico e escultor, escondido do mundo, no meio do mato, cuja enfermidade não foi suficiente para afastar dele o amor das mulheres, o amor de Maria Rosa e a admiração dos homens.

            Maria Rosa, amando à distância, levando-lhe oferendas de pequenos  pães, das bananas maduras, da água do manancial. Isso, até a chegada do Cometa. Era o anúncio resplandecente do fim do mundo. A notícia terrível do castigo se amplificava na igreja, entre os lamentos e as rezas. Depois, começou a seca, era como se o monstro tivesse acabado com a água da terra e do céu. Foi quando Gaspar Mora desapareceu. Dele ficou o Cristo na Cruz, esculpido na madeira, as manchas de pus maculando a forma criada à imagem e semelhança do artista.
            A imagem, carregada nos ombros, foi levada para a igreja, numa estranha procissão que avançava sem rumo, sem lar, sem destino, pela solitária, vasta pátria dos deserdados e dos tristes. E lá ficou no átrio, esperando pelo padre durante vários dias pois ele só vinha a Itapé em raros domingos.  E’obra de um lazarento disse o padre ao chegar. Há o perigo de contágio. A casa de Deus deve estar sempre limpa. E’o lugar da saúde... Mas o argumento sobre os bacilos e os riscos da contágio não possuía validade  para a multidão que escutava com os olhos vazios fixos no Cristo, na lembrança daquele que o fizera: o carpinteiro leproso que liquidava as dívidas dos agricultores prejudicados pelo granizo ou pelos gafanhotos: o mesmo  que ofertava agasalhos para as viúvas e para os órfãos e que fizera a escolinha. Nunca ele pisara na Igreja. Um herege, dizia o padre. O velho Macário dizia, um puro. De seu rosto limpo, forte e moreno, ossudo, dos seus olhos mansamente verdes ainda continuava apaixonada Maria Rosa. Maria Rosa, parte de um universo de pó e de miséria como ela própria. Universo submisso ao