Volto
sem luto e tem chovido tantona minha ausência, nas minhas ruas, no meu mundo
que me perco nos nomes e confundo
a chuva com o pranto.
Mario Benedetti
Os sentimentos não se diluem, não se esgota o horror da última guerra. Peças de teatro. Filmes. Poemas. Romances. Há sempre um desejo de entender que renasce num multiplicar-se de visões, de fatos, de situações.
Em
fins de fevereiro de 1933, quando arde a Reichstag, muitos alemães se sentiram
ameaçados pela polícia nazista e fugiram para a França que além de ser um país
fronteiriço com a Alemanha possuía, ainda, a reputação de ser um país liberal, hospitaleiro, tolerante.
O estudo minucioso dessa
imigração, compreendida entre 1933 e 1934, foi tratado por germanistas e
historiadores da Universidade de Paria VII, Vincennes, que ouviram testemunhos,
examinaram documentos nem sempre completos ou de fácil acesso, muitos deles
inéditos e reunidos num livro intitulado Les
barbelés de l’éxil (Presses Universitaires de Grenoble, 1979).
Trata-se
de uma obra informativa e precisa. Mas, ao evocar a sorte individual e coletiva
desses imigrados que tentaram fugir dos campos de concentração da Alemanha e
acabaram, em 1939, atrás dos arames farpados
do país que os havia acolhido, é também amiúde, um texto comovente. De forma objetiva,
trás respostas a perguntas bem simples: quem emigrou, quando e por que.
Respostas que dão ensejo a outras perguntas: quais as condições de vida desses
emigrantes que saídos às pressas de seu país levaram consigo apenas o
essencial, umas poucas roupas e algum dinheiro? Quais suas possibilidades de
sobrevivência num país economicamente em crise onde era muito fácil tornar-se
xenófobo diante do inimigo “hereditário”e da propaganda de uma imprensa
preocupada em achar bodes expiatórios? Delineiam-se, então, destinos
(sofrimento, dor, miséria) à mercê do Estado que ,demiúrgico, os condena.
E’quando o livro não mais pode responder mas, levar à reflexão, à escolha.
Judeus,
operários, intelectuais, moços, velhos, políticos de esquerda, militantes
comunistas ou simplesmente, todos aqueles que se opunham ao nacional-socialismo
começaram a chegar nas fronteiras pelos primeiros dias de março de 1933. Nas
suas diferenças de credos religiosos e de convicções políticas, nas suas
diferenças de classes sociais, de nível cultural ou, simplesmente de idade, um
denominador comum: todos acreditavam que o exílio seria breve.
Na
França, os grandes jornais que enviavam seus correspondentes à Alemanha,
registravam a chegada ao poder dos nazistas, o incêndio da Reichstag, as
perseguições aos partidos e às organizações de esquerda e, por vezes,
apresentavam Hitler como um personagem ridículo e grotesco. Nesse momento, a
opinião pública francesa é hostil aos nacionais socialistas e a seus dirigentes, mas não chega a entender o
porquê da necessidade de um alemão abandonar o seu país. Entre os partidos
políticos, apenas os da esquerda irão manifestar simpatias pelos adversários de
Hitler. Os da direita, discretamente (ou secretamente) admiram
o homem forte do Terceiro Reich.
A
incompreensão, a desconfiança que se manifesta
em relação aos primeiros migrados de 1933, vai-se transformando, com o passar
do tempo e dos acontecimentos para e, em
1939, levar à uma
xenofobia brutal. E o desemprego, as péssimas condições de vida e a solidão em que vivem os imigrantes, na
verdade pouco representam se comparados aos campos de concentração franceses e
às viagens sem volta para os campos de extermínio na Alemanha que se seguiram a
esses primeiros tempos. Então, nos longos dias sem trabalho e sem diálogo apenas uma única realidade existia, a insegurança. Impedidos de trabalhar
pelas regulamentações que, sucessivamente, os foram marginalizando
cada vez mais, impedidos de se
comunicar, antes de mais nada pela
diferenças de idiomas e, muitas vezes, por uma situação psicológica que
induzia a se afastar de seus conterrâneos e impedido de ter uma existência
legal pois jamais conseguia estar em regra com a polícia. Como diz Gilbert
Badia, na eterna busca de uma carteira de identidade, de um documento qualquer
que fosse mas que o protegesse de uma expulsão repentina e sem motivo. Houve o
tempo dos suicídios; também, para uns poucos, uma viagem de pesadelo para
chegar à América e viver. São estes testemunhos conhecidos. Restava, porém,
contar a resistência anti-nazista feita
através de livros impressos em caracteres minúsculos e sobre papel muito fino e
que eram introduzidos na Alemanha em embalagens de xampu ou sob capas nas quais
eram impressos títulos que se referiam a assuntos inofensivos como jardinagem,
por exemplo. Ou de artigos em francês publicados nos jornais franceses ou de
livros publicados em alemão na França.
Ns
anos de 1935, 1936 e 1937 o Terceiro Reich não cessa de se afirmar. A participação dos alemães nos Jogos
Olímpicos, na Exposição Universal de Paris, em 1937, a adesão do povo alemão ao
governo, um equilíbrio financeiro para substituir a bancarrota prevista tornam
cada vez mais difícil para o exilado a elaboração de um programa visando a
democratização da Alemanha o quê, a
medida em que passam os dias, mais e mais significa uma utopia. Um esforço
contra a opressão e o terror existiu. Foi, porém, uma resistência que
fracassou. Não conseguiu se unificar, não
constituiu um governo no exílio, não conseguiu derrubar Hitler, nem mesmo
mobilizar contra o regime nacional-socialiesta uma facção numericamente
importante do povo alemão.
Para
o organizador da obra, o tradutor de Brecht na França, professor Gilbert Badia assim como os demais autores, escrever a
história dessa resistência, dessa oposição a Hitler no interior e fora das
fronteiras da Alemanha, é completar a História do Terceiro Reich. Les barbelés de l’’exil contém os primeiros resultados de uma pesquisa
que se quer mais extensa. No momento, estes vários trabalhos que o compõem,
além do próprio interesse que os impulsiona – preencher uma lacuna da História
Alemã Contemporânea – alcançam já um momento muito importante ao se
constituírem, sobretudo, a afirmação de que os fatos podem e devem ser
encarados sob diferentes ângulos. E este que abordam, até o presente, tinha
sido esquecido pelos historiadores.
Sob este aspecto,
podemos lembrar a posição de alguns latino-americanos cujas colocações sobre a
História da América contrariam toda a historiografia oficial, estratificada no
esquema colonialista e que, ao longo dos anos, transmitiu verdades discutíveis
com a convicção daqueles que detém o Poder ou daqueles cuja visão é limitada
pelo dogmatismo mais vulgar. Para esses latino-americanos, vivendo em
territórios que permitam ( ou permitem mais ou menos) a abordagem de
determinados assuntos, fatos ou personagens, a história dos exílios, dos
auto-exilados ( e falemos, apenas, desses últimos ) é um filão inesgotável. Se
da Alemanha para a França foi uma emigração numericamente modesta e limitada
por datas precisas, a emigração/ imigração na América Latina, coerente com as
proporções geográficas e com seu contexto conturbado, atinge enormes proporções e diferentes
categorias sócio-culturais.
Estudar,
então, essas migrações é completar a História da América, mostrar a sangria que
lhe é imposta por um punhado de megalômanos cujo ridículo é tão incomensurável
que não lhes permite o discernimento entre governar e auto intitular-se
governante. E, sobretudo, mostrar que a História das minorias, ao proporcionar
uma visão dialética dos fatos, leva à discussão e à reflexão. Se esta discussão
e reflexão são necessárias em países como a França onde a liberdade de
pensamento e de expressão é, relativamente, de há muito realizada, em países
que ainda não
aprenderam ou estão em vias de aprender a pensar e a se expressar, servir-se de tais práticas, torna-se urgente e imprescindível.
aprenderam ou estão em vias de aprender a pensar e a se expressar, servir-se de tais práticas, torna-se urgente e imprescindível.